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Economia Sexta-feira, 06 de Março de 2020, 10:03 - A | A

Sexta-feira, 06 de Março de 2020, 10h:03 - A | A

BOMBA SEM CONTROLE

Motoristas à mercê da sorte

A existência desses laboratórios é fundamental para combater a fraude aos combustíveis, mas há cinco anos Mato Grosso não conta com um desses

Tarley Carvalho
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Não é de hoje que motoristas de todo o Brasil reclamam do preço dos combustíveis e em Mato Grosso não é diferente. Se esse fator já não fosse suficiente, os motoristas ainda precisam lidar com o risco de abastecer o veículo com um combustível de baixa qualidade, o que prejudica o funcionamento do motor. No Brasil, a qualidade da gasolina, etanol e diesel é medida por laboratórios credenciados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A existência desses laboratórios é fundamental para combater a fraude aos combustíveis, mas há cinco anos Mato Grosso não conta com um desses e os motoristas estão à mercê da própria sorte, torcendo para abastecer num posto que não faça tramoias.

A informação consta no relatório final da sub-relatoria de combustíveis da Comissão Parlamentar de Inquérito da Renúncia e Sonegação Fiscal (CPI da Sonegação), instalada na Assembleia Legislativa.

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Até o mês de dezembro, quando o documento foi assinado, apenas seis estados em todo o país não tinham um laboratório desse tipo. Para este ano de 2020, com o plano de expansão da ANP, a previsão é que apenas três estados não tenham esse tipo de laboratório.

Os dados obtidos nestas fiscalizações são utilizados por órgãos, como Ministério Público, Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), Procon, entre outros.

“A justificativa dessa recomendação é tanto a preservação da saúde dos trabalhadores deste setor, em virtude da exposição ao benzeno, presente na composição da gasolina e considerado nocivo à saúde e cancerígeno, quanto a questão de segurança do consumidor (desastres, etc.) e evitar fraudes”, diz trecho do relatório.

De acordo com o documento, Mato Grosso está desde 2015 sem o laboratório porque o contrato encerrou naquele ano, sem a possibilidade de prorrogação. Por este motivo, se fazia necessário que fosse realizada nova licitação. Porém, segundo apurou a CPI, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - que tinha responsabilidades no caso - não apresentou as certidões necessárias.

Num primeiro momento, pode ser que não vejamos tanta importância na existência de tais laboratórios, mas ela é fundamental. Em 1998, quando não existia esse departamento, o índice de desconformidade da gasolina oscilava entre 17% e 20%. Em 2015, por sua vez, esse índice estava em torno de 1,3% apenas.  

As estratégias usadas para enganar o consumidor

A CPI da Sonegação, instalada na Assembleia Legislativa com o objetivo de apurar benefícios fiscais concedidos de forma equivocada e sonegação fiscal, também se dedicou a levantar fraudes contra o consumidor mato-grossense. No relatório final da sub-relatoria dos combustíveis são apresentadas algumas formas como se dão tais fraudes.

Uma das mais conhecidas é a adulteração da gasolina, com a mistura de etanol anidro acima dos 27% permitidos. Essa substância é misturada à gasolina para barateá-la, aumentar sua octanagem - propriedade da gasolina resistir à compressão sem entrar combustão - e diminuir a emissão de poluentes.

Outra fraude identificada pela CPI é a venda de metanol como se fosse etanol ou sua adição à gasolina. Ambos são tipos de álcool, mas o metanol é altamente venenoso e corrosivo, além de perigoso.

O relatório também cita a prática da popular Bomba Baixa em Mato Grosso. Resumidamente, essa fraude consiste em enganar o consumidor e entregar uma quantidade inferior à mostrada na bomba. Uma das formas de se fazer isso é inserir um desvio do combustível após ele passar pela bomba medidora. Assim, o produto é registrado para que o consumidor o veja, mas acaba retornando, em parte, de volta para o tanque.

Outra forma de se praticar a fraude é instalando uma turbina, que gera pulsos adicionais, falsificando a leitura da quantidade de litros que a bomba indica.

O relatório também indica outro tipo de fraude realizado no comércio de combustíveis, mas este contra o Estado e não contra o consumidor. É o descaminho de produtos, esquema em que os criminosos emitem nota fiscal como se o produto fosse exportado a outro estado. Isso porque a tributação de ICMS é feita com base no estado de destino. Assim, eles podem verificar um local em que a alíquota é menor que a nossa, emitir a nota como se fosse destinado para lá, quando, na verdade, será comercializado aqui no próprio estado.

Baixa qualidade faz ‘Uber’ parar

O motorista de aplicativo Carlos Alves, de 21 anos, conhece os prejuízos que uma gasolina adulterada pode dar. No começo de janeiro, ele abasteceu por três vezes em um posto situado na Avenida Professora Edna Maria de Albuquerque Affi, a “Avenida das Torres”. Seu carro, que faz entre 7 e 8,5 quilômetros (km) por litro, passou a fazer cerca de 5,8 km a cada litro consumido. Quando levou ao mecânico, recebeu o diagnóstico e teve que desembolsar R$ 200,00 para consertar os danos causados pelo combustível de baixa qualidade, além de ficar dois dias parado, sem poder trabalhar.

“O problema agravou no domingo à noite, porque o carro começou a falhar demais. Eu entrei em contato com meu mecânico, que falou que poderia ser o combustível. Eu falei onde tinha abastecido e ele falou que já foram alguns clientes dele lá [na oficina] com o mesmo problema, com o carro falhando e o escapamento exalando um cheiro muito forte”, explicou.

Ele conta que precisou trocar uma vela e o cabo de vela, danificados por causa do combustível. Por precaução, ele achou por bem trocar outras peças também. Por causa desses problemas ele ficou todo o dia de domingo e de segunda-feira impedido de fazer suas corridas, causando prejuízo ao seu orçamento.

Além das velas, a gasolina adulterada pode prejudicar também os bicos injetores, responsáveis por pulverizar o combustível na câmara de combustão; a sonda lambda, cuja função é enviar um sinal elétrico à injeção eletrônica do carro para controlar a quantidade de combustível enviado ao motor; e o catalisador, que transforma os gases tóxicos em inofensivos antes de “expulsá-los” do veículo, reduzindo o impacto de poluentes na atmosfera. O motor também pode ser afetado e ter sua vida útil reduzida.

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