Brasileiros que escanearam a íris em troca de dinheiro relatam dificuldades para obter suporte da World após o registro. A iniciativa coleta a íris humana para usá-la como uma "impressão digital" mais avançada e, nos últimos meses, tem se expandido pela periferia da cidade de São Paulo.
Na última terça-feira (11), a World decidiu interromper novos registros no Brasil após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) negar um recurso de efeito suspensivo e proibir definitivamente a empresa de remunerar pessoas pela coleta dessa biometria.
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A ANPD, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirma que os participantes frequentemente ignoram "os riscos envolvidos e a própria finalidade da coleta". Algumas pessoas ouvidas pelo g1 não souberam explicar o objetivo do projeto e nem como seus dados seriam utilizados.
O órgão do governo também ordenou que a World apresentasse um encarregado pelo tratamento de dados pessoais no Brasil, conforme exigido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
As queixas dos usuários se concentram no aplicativo World App, que é o passo inicial para participar do projeto e também onde a remuneração pela participação fica armazenada. Ele é o meio oficial de atendimento, mas foram ouvidas muitas reclamações sobre o funcionamento do app.
"Tentei entrar em contato pelo chat do app várias vezes e o problema não foi resolvido. Então, decidi vir aqui na loja. Aí me disseram que talvez eu tenha sido banida por alguma atividade suspeita. Mas que atividade? Não sei, e não deixei ninguém mexer no celular. Perdi a conta e o dinheiro", diz Vivian Caramaschi, de 48 anos.
A maioria dos problemas está relacionada ao dinheiro oferecido. O projeto libera 20 criptomoedas "Worldcoin" 24 horas após o escaneamento da íris, e as outras 28 moedas são distribuídas mensalmente ao longo de um ano. O usuário pode, então, vender essas moedas e trocá-las por até R$ 600.
Isso serve como um incentivo para criar uma base de pessoas verificadas. A World registra a íris humana e afirma que, no futuro, esse tipo de biometria será capaz de diferenciar seres humanos de robôs de inteligência artificial (IA).
Antes dessa decisão, o g1 visitou vários pontos de coleta de íris em São Paulo, onde o projeto tem 55 endereços e diz ter escaneado mais de 400 mil pessoas desde o início oficial da operação em novembro de 2024.
Durante as visitas, o g1 presenciou várias pessoas, algumas irritadas, em busca de ajuda para transferir o dinheiro, acessar o aplicativo e até corrigir envios feitos para contas erradas.
A advogada especialista em direito digital Patrícia Peck alertou que o World App não está totalmente em português, apresentando uma mistura de idiomas, incluindo inglês e, às vezes, espanhol. O g1 pôde constatar isso no app de algumas pessoas que reclamaram do suporte.
Advogados afirmam que a World viola os direitos do consumidor com essas práticas e que o usuário pode entrar com uma ação para que um juiz declare inválido o contrato firmado entre o participante e a Tools for Humanity, empresa responsável pela operação da World (saiba mais).
Procurada, a World informou que não consegue quantificar o número de pessoas com problemas, pois todo o processo é anônimo.
Além disso, a empresa afirmou que os funcionários são treinados apenas para explicar a tecnologia, tirar as fotos, e não têm habilidades para solucionar eventuais problemas que os usuários possam ter.
Suporte é um robô e não funciona, dizem usuários
Vivian Caramaschi, de 48 anos, disse ao g1 que fez a coleta da íris em novembro de 2024 e deveria receber 20 moedas após 24 horas, o que não aconteceu devido a um problema no app.
Ainda em novembro, ela viu no World App que tinha cerca de R$ 200 para sacar. "Por causa do erro no saque, eu desinstalei o aplicativo e reinstalei, mas agora ele diz que a senha está errada, mesmo eu digitando corretamente", conta.
Situação semelhante aconteceu com Marilis Casco Morales, de 24 anos, que escaneou a íris em dezembro de 2024. Ela afirma que não consegue mais acessar o app para resgatar os R$ 296,81 referentes à primeira parcela.
"Desinstalei o aplicativo e baixei novamente. Na hora de digitar a senha, o app diz que está errada", relata.
Ainda em dezembro, Marilis retornou à unidade do Bom Retiro (região central de São Paulo) em busca de ajuda e foi orientada a procurar o suporte no app, que, segundo ela, não funciona.
Primeiro, o chat não carregava; depois, informou que não seria possível resgatar os valores porque ela não havia feito backup da conta, que é uma cópia de segurança de dados para prevenir perdas.
O g1 também encontrou em um dos pontos da World Elaine Oliveira, de 40 anos, que perdeu a conta e ficou sem a segunda parcela do dinheiro.