Uma fraude à cota de gênero prevista na legislação eleitoral poderá custar a vaga de três vereadores do Partido Progressistas (PP), de Campo Novo do Parecis (a 400 km de Cuiabá). No pleito de 2024, duas candidaturas se mostraram fictícias, inclusive uma das candidatas desistiu da corrida por uma vaga à Câmara de Vereadores do município, e o partido ficou aquém da proporção mínima de candidaturas femininas prevista na legislação eleitoral. O ocorrido é apontado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) que tramita na Justiça Eleitoral em Mato Grosso.
A Lei de Eleições (9.504/1997) exige que partidos assegurem o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo. Para evitar fraudes a essa determinação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a Súmula 73, que trata da caracterização de fraudes à cota de gênero. Casos comprovados de fraude podem resultar na cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) e dos diplomas de quem for eleito.
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Para a eleição municipal, o Progressistas indicou: Eva Silva, Jacke do Uber e Margarete Bessa. Contudo, apenas Margarete teria realmente participado da disputa, sendo que as outras duas candidaturas foram apontadas como fictícias porque não realizaram atos efetivos de campanha, tiveram votação pífia ou zerada (no caso da desistente) e ainda apresentaram prestações de contas inexpressiva e padronizada.
Jacke do Uber teve um desempenho pífio: obteve apenas sete votos. Ela não realizou qualquer movimentação política, segundo o levantamento feito para a AIJE. No Instagram, há apenas uma mensagem do presidente estadual do PP, o deputado estadual, Paulo Araújo, pedindo o voto para a candidata. No Facebook, só um santinho digital indica a candidatura.
Em relação à então candidata Eva, desde o momento da decisão de candidatura até a desistência, não há registro de qualquer ato de campanha como pedir votos, entregar santinhos, nem mesmo em suas redes sociais há qualquer menção à participação nas eleições de 2024 pleiteando uma vaga na Câmara de Vereadores. A ação aponta que o PP não tomou providências para adequar a chapa no prazo uma vez que Eva teria desistido do pleito em 16/09, quando ainda havia prazo de substituição para compor a cota mínima, depois ela cancelou sua própria renúncia em 17/09 e desistiu definitivamente em 18/09, quando não havia mais prazo de substituição.
Outro ponto que também foi destacado na Ação diz respeito às prestações de contas. Os valores dos gastos são iguais para as duas candidatas, tanto a que teria seguido na disputa, quanto a desistente.
O advogado Marco Marrafon, responsável pela AIJE, avalia que a soma desses três elementos caracteriza a fraude à cota de gênero e as candidaturas de Eva e Jacke foram registradas pelo partido, somente, para atender à legislação eleitoral, que não foi respeitada pelo Progressistas até o fim do pleito.
“Com esse cenário, é possível concluir que, em grau de certeza, o partido político fez uso da cota feminina para simular o atendimento à lei de cota de gênero, legislação que busca trazer mais oportunidades e garantir a participação robusta das mulheres no cenário político. Inclusive, esse desinteresse de muitos partidos políticos de promover a equidade de oportunidades contraria a necessária isonomia constitucional em relação à efetividade desses direitos políticos das mulheres”, pontua Marrafon.
Diante disso, na AIJE, o advogado pediu à Justiça Eleitoral a suspensão da diplomação dos candidatos eleitos até o julgamento da ação, que tem como objetivo final a cassação da chapa. O PP conseguiu garantir três cadeiras na Casa de Leis do Município: Willian Freitas, Joaquim Equip e Dr. Andrei.
Candidaturas fictícias
Um levantamento divulgado pelo Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados mostra que a cota de 30% para candidaturas de mulheres não foi respeitada pelos partidos políticos em 700 dos 5.569 municípios brasileiros, no primeiro turno das eleições municipais, realizado no dia 6 de outubro deste ano. O PP, segundo o levantamento, desrespeitou a cota em 57 municípios.
Intitulada “Candidatas Laranjas”, uma pesquisa realizada em 2020, mostrou que houve um aumento no uso de candidaturas femininas fictícias entre os anos de 2008 e 2018, culminando com 35% de “laranjas” nas últimas eleições, como resposta à mudança na lei de cotas, ao contrário do que se esperava da ação afirmativa.