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Política Sábado, 08 de Junho de 2024, 14:28 - A | A

Sábado, 08 de Junho de 2024, 14h:28 - A | A

LEVOU R$ 580 MILHÕES

Ex-assessor de Neri Geller representa 3 empresas vencedoras de leilão de arroz; Conab nega influência

Globo Rural

A Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e a Foco Corretora de Grãos, empresas criadas em maio de 2023 por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor do então deputado federal e ex-ministro da Agricultura, Neri Geller, intermediaram a venda de 44% do arroz importado vendido no leilão público realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) nesta semana. Os envolvidos negam qualquer tipo de favorecimento no certame.

As empresas participaram da negociação de 116 mil das 263,3 mil toneladas comercializadas no leilão, cujos arremates das suas clientes vão abocanhar R$ 580,1 milhões dos R$ 1,3 bilhão movimentados. A BMT e a Foco faturam comissões de corretagem em cima desses valores. Elas representaram três das quatro empresas arrematantes do leilão: ARS Locação de Veículos e Máquinas, Zafira Trading e Icefruit Indústria e Comércio de Alimentos.

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O perfil das vencedoras causou estranheza no mercado. As outras 147,3 mil toneladas de arroz foram negociadas pela Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCLM) para a Queijo Minas, uma loja de queijos e laticínios na capital do Amapá que pertence ao empresário Wisley Alves de Souza. A empresa vai receber mais de R$ 736 milhões da Conab.

França comanda a BMT e a Foco. Ele é ex-assessor de Neri Geller, atual secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. Na ata do leilão da Conab, seu nome aparece como corretor responsável pelas operações de duas arrematantes do certame que o governo federal insistiu em realizar após as inundações no Rio Grande do Sul, apesar das reclamações do setor produtivo nacional.

Os produtores de arroz garantiram que teriam capacidade de abastecimento para o consumo interno e contestaram as informações sobre oscilações exageradas de preços do cereal que justificariam uma intervenção bilionária como foi feita.

O portal da Câmara dos Deputados mostra o registro de França como funcionário do gabinete de Geller entre 2019 e 2020, quando o político estava em mandato parlamentar por Mato Grosso. O ex-assessor também é sócio de Marcelo Piccini Geller, filho de Neri, em um outro negócio em Cuiabá, criado em agosto de 2023, de acordo com informações da Receita Federal.

França foi colega de Thiago dos Santos, atual diretor de Operações e Abastecimento da Conab, no gabinete de Geller. Santos ficou vinculado ao ex-parlamentar entre maio de 2019 e janeiro de 2023. França saiu em julho de 2020. Indicado por Geller para o cargo na estatal, Santos está à frente da diretoria responsável pela realização dos leilões públicos desde o ano passado.

Retomada da Conab

Advogado, França é presidente da BMT, segundo cadastro no site da Conab. A empresa foi criada em 29 de maio de 2023. Exatamente um mês depois, o governo federal anunciou — em cerimônia com a presença de dos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira — a retomada da política de formação de estoques e a intensificação das operações de comercialização agrícola.

Houve um estímulo à criação de novas bolsas de mercadorias pelo país com a retomada dessa política. Três se credenciaram na Conab em 2023, entre elas a BMT. Em dezembro de 2023, a bolsa de França e a Foco intermediaram a compra de 12,7 mil toneladas de milho para entrega na Bahia.

França negou ter tido favorecimento no leilão. “A bolsa foi criada através de edital para criação de bolsas. Posteriormente a isso, constituí a bolsa de Mato Grosso, que foi constituída de todas as formas, em cartório, com todos os registros. E começamos a participar de leilões, não só do arroz, mas outros leilões que não saímos ganhadores”.

Questionado de quantos leilões a BMT participou, ele disse não se recordar. “Foram vários. Da Bahia, participamos, e também em leilões de frete, de remoção de estoque, tanto de logística para retirada de grãos a granel como de cesta básica”, relatou.

França disse ainda que não tem contato frequente com Geller e com Santos, da Conab. Questionado sobre a capacidade de seus clientes vencedores no leilão de arroz importado apresentarem as garantias demandadas pela estatal, ele disse que “até o dia 13 vocês vão verificar que todas as empresas que participaram na bolsa vão apresentar as garantias”.

Direcionamento do leilão

A Conab nega qualquer tipo de interferência, favorecimento ou direcionamento no leilão de arroz importado. “Não houve direcionamento, não houve facilidade nem nada. Estamos à disposição para quem quiser participar [dos leilões]”, disse o diretor de Operações e Abastecimento, Thiago dos Santos.

Ele afirmou que seis bolsas de mercadorias estavam habilitadas e online para participar do leilão de quinta-feira (6/6), mas que apenas duas apresentaram lances. “Com essas duas bolsas, havia quatro empresas que não sabíamos quem estava participando até finalizar o leilão”, afirmou. Santos ressaltou que “a Conab só pode saber após o término quais bolsas estavam participando justamente para não ter nenhum direcionamento”.

Para ele, o baixo número de propostas deveu-se à margem apertada que a Conab apresentou para a compra do arroz. “Eles [as bolsas] falaram que não houve atratividade para os clientes deles que participaram. Nossa expectativa já era que fosse vazio, porque colocamos uma margem ajustada”, indicou.

Sobre a participação pregressa da corretora de Robson nos leilões de milho de dezembro do ano passado, ele afirmou que a Conab tem hoje 13 bolsas credenciadas para participar de leilões, e que três se cadastraram na autarquia no ano passado — entre elas, a BMT.

Sem vínculo

Já o secretário de Política Agrícola, Neri Geller, disse que “nem sabia” que Robson França havia participado do leilão de compra de arroz importado. Afirmou que não conversa com seu ex-assessor há pelo menos dois meses e que não pode impedir um profissional liberal de participar dos certames.

“Ele realmente trabalhou comigo. O que tem que verificar é se a corretora está habilitada e se ele estava habilitado para participar. Porque é público. Tem que estar nas normas”, disse à reportagem.

“[Só] por ele [ter] trabalhado comigo, não posso restringir a atividade dele. Tem que verificar se ele está habilitado ou não. Fora isso, acho que, no meu entendimento, não tem nenhum impedimento”, afirmou.

Questionado sobre a participação de Robson no leilão de compra de milho de 2023 logo após o governo retomar a política de formação de estoques, Geller se mostrou surpreso. “Participou do [leilão] de milho? Então, gente, ele está na ativa. Não tenho nenhum contato sobre isso, nenhum vínculo. Não sabia que tinha participado”, afirmou.

Convocação

A Conab irá convocar as Bolsas de Mercadorias e Cereais participantes do leilão para compra pública de arroz importado para apresentar comprovações de capacidade técnica e financeira das empresas que representaram e saíram vencedoras dos respectivos lotes no leilão para compra de arroz beneficiado importado.

Participaram do leilão a Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCML) e a Bolsa de Mercadorias do Mato Grosso (BMT). As empresas arrematantes do direito de vender as 263,3 mil toneladas de arroz importado para a Conab foram Wisley A. de Souza Ltda, ASR Locação de Veículos e Máquinas, Indústria e Comércio de Alimentos Ltda e Zafira Trading Ltda. O perfil dos participantes gerou estranhamento no mercado agrícola brasileiro.

Em nota divulgada neste sábado (8/6), a Conab disse que a convocação foi determinação do presidente Edegar Pretto diante das dúvidas e repercussões geradas a partir da divulgação do resultado leilão.

"A transparência e a segurança jurídica são princípios inegociáveis e a Conab está atenta para garantir segurança jurídica e solidez nessa grande operação", afirmou Pretto, na nota.

 
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