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Opinião Quinta-feira, 24 de Agosto de 2023, 07:33 - A | A

Quinta-feira, 24 de Agosto de 2023, 07h:33 - A | A

MARCO SPINELLI

Equilíbrio Distante

Marco Spinelli*

Confesso que manter uma posição equilibrada está ficando cada vez mais cansativo nessa Civilização de Lacração e Cancelamentos que vivemos hoje. A virtude da Equanimidade está cada vez mais fora de moda.

Quando fiz a minha formação em Psiquiatria, nos anos noventa do século passado (rsrsr), já havia uma pressão clara para escolher entre um lado do prédio, o da Psiquiatria Biológica, ou o outro lado, da Psicoterapia. Neste século eu diria que um lado engoliu o outro, sobrou apenas a Psiquiatria baseada em tratamentos medicamentosos e intervenções biológicas. Freud e Jung nem são mencionados em Congressos ou aulas que se prezem. Pois eu, já naquela época, me recusei a tomar um lado e desprezar o outro, e montei dentro de mim uma Psiquiatria Compreensiva, isto é, uma Psiquiatria que compreenda as origens biológicas e psíquicas do sofrimento humano. Isto garantiu para mim uma espécie de exílio informal na vida acadêmica: para os Psicoterapeutas, eu era clínico demais, e vice versa para os clínicos. Paciência. Vejo todos os dias pacientes se beneficiando dessa abordagem integrativa. A Equanimidade entre as áreas possibilita benefícios conjugados dessas correntes de saber. Mas também torna esse trabalho um alvo fácil de diversos movimentos de Lacração.

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Há alguns anos atrás, uma cliente querida, que escrevia para um jornal de grande circulação, entrou na sala muito decepcionada com um psicanalista, renomado e querido, e que escrevia para o mesmo jornal. Ele publicou um estudo que desancava com todos os tratamentos para a Depressão, dizendo que em nada diferiam do uso de Placebo. Resumindo, você tomar um antidepressivo ou uma pílula de farinha teria o mesmo resultado na Depressão Leve ou Moderada. Ela tinha passado recentemente por um quadro depressivo leve para moderado, e tinha experimentado uma ótima resposta, com melhora marcada com os medicamentos que foram prescritos, que não eram feitos com farinha de rosca. Achou a opinião do psicanalista tendenciosa, ou, pior, não baseada na vivência em primeira pessoa de uma medicação bem indicada e seus resultados, graduais, mas consistentes.

Nas últimas semanas, os clientes começaram a reclamar de outro ataque, vindo do outro lado da barricada: o livro de uma cientista pop, intitulado: “Que Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”. Os pacientes reclamaram dos ataques dos autores à Psicanálise, mas os capítulos do livro listam outros ramos do conhecimento humano como “bobagens pseudocientíficas”: A Medicina Tradicional Chinesa, a Psicanálise, a Astrologia, a Homeopatia, as Terapias Energéticas e tudo o mais que não puder ser examinado segundo o sacrossanto Método Científico, segundo os autores, a única forma de apreensão correta da realidade factual.

A minha Dissertação de Mestrado tinha uma boa introdução sobre Filosofia da Ciência, para tentar demarcar as diferentes formas de conhecimento e compreensão dos fenômenos. Como os autores, acredito na coleta de dados e nas evidências para avaliar se algo funciona ou mesmo existe. Isso vale para tratamentos medicamentosos e psicoterapias, sobretudo quando falham ou trazem resultados ruins.

A cientista iconoclasta fez um excelente trabalho durante a Pandemia, levantando a voz contra a maré infernal de desinformação levantada contra Distância Social, Vacinação e uso de Máscaras. Deve ter se exposto a todo tipo de ataque e de estupidez das pessoas que não praticavam pseudociências, praticavam manipulação e amedrontamento em massa. Seremos sempre gratos a seu trabalho. Mas, como diria Jung, “Tu acabas se tornando aquilo que combates”. Mudar o lado da lacração não a torna menos lacradora. Atacar outros ramos do conhecimento e da experiência humana como bobagens pseudocientíficas, numa campanha jihadista pela Ciência, além da fabulosa estupidez de parear formas tão distintas de apreensão da realidade e colocar tudo isso no mesmo balaio, é uma doença prevista pelos psicanalistas: a inflação do Ego, o que acaba excluindo o Outro, assumindo um ar meio santarrão de “dono da única verdade”; o resto é bobagem ou ilusão. Sabemos onde isso termina. Mas tudo bem, isso também deve ser bobagem pseudocientífica.

Nosso saber está caminhando cada vez mais para o transdisciplinar. E, como diria minha avó: respeito é bom, e eu gosto. Essa deve ser uma característica e exercício de cientistas e terapeutas: o respeito pelo o que eu não conheço suficientemente para poder opinar.

 

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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