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Opinião Sábado, 08 de Março de 2025, 15:27 - A | A

Sábado, 08 de Março de 2025, 15h:27 - A | A

GLAUCIA AMARAL

Atenciosamente, Educação e Cultura

Glaucia Amaral*

Toda vez que se encerra um ofício ou e-mail, escreve-se algumas palavras protocolares, que não têm conexão com o conteúdo principal. São as famosas: “cordialmente”, “despeço-me”, e a que está no título “atenciosamente”.

Toda vez que alguém fala em combate à violência contra a mulher, ou, na igualdade, objetivo maior, muitas providências são sugeridas, analisadas, exigidas, e, assim como o final protocolar de uma mensagem, sempre são citados, sem qualquer compromisso em fazer concretizar: “precisa mudar a cultura”, “modificar a educação”

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Neste dia 8 de março de 2025 é isso o que precisamos mudar. Essas duas palavras são a resposta das perguntas que nos fazemos a cada vez que uma mulher é morta por um homem que deveria amá-la.

A violência contra a MULHER não é uma questão só de segurança pública. Essa fala, há muito repetida por especialistas foi dita no ano passado, pela primeira vez, por uma autoridade de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso. Vir de quem veio é auspicioso, pois mostra que a compreensão do fenômeno social da violência de gênero precisa de ação conjunta.

A violência de gênero é um fenômeno social, oriundo da forma de pensamento de antigos sistemas de moral, religioso, e até legislativo, no qual a nossa sociedade (nossos bisavós, avós, pais e até chegar a nós) foi educada.

Alguns conceitos tratados como naturais, nada mais foram que soluções econômicas de uma época que não existe mais. Por exemplo, a divisão do trabalho doméstico, palco de diversas discussões sem qualquer lastro teórico/científico nas redes sociais. Ora, existia uma organização antes da Revolução Industrial e do advento do capitalismo. Hoje, vivemos outra. Habilidades para uma e outra realidade, todo ser humano tem.

Educação para dar perspectiva de vida, formação para melhores empregos e remunerações, sonhos maiores para as nossas meninas. Ao invés de perder a adolescência e a juventude no delírio social de ser a princesa/esposa ou troféu escolhida pelo príncipe encantado/cantor/jogador de futebol/líder da gang da rua, sonhar em ser ela a engenheira, senadora, médica, professora, ministra do Supremo, viajar o mundo, e, quiçá na vida adulta, ambos se encontrarem sem complexos impostos pela sociedade e resolverem estar juntos sem dependência econômica e financeira.

Cultura para encantar, comover, provocar, fazer rir, fazer cantar e dissolver as amarras anteriormente existentes, possibilitar um pensar diferente, atual, saudável, e alcançar a mudança pela emoção, como só a arte consegue fazer, muitas vezes, em poucos segundos.

Educação para dizer o que é violência física, patrimonial, sexual, moral e psicológica. Para todos saberem como que é ser vítima e o que é ser agressor.

Cultura para entrar pelas portas das casas sem fazer discursos, para acompanhar no rádio, para entrar pelos olhos num passeio de domingo e chegar até a alma.

Uma propaganda veiculada há décadas ilustra isso: um menino se machuca, o pai entra no campo de futebol e socorre o filho. Uma voz diz uma mensagem poderosa que todos se recordam até hoje: ”não basta ser pai, tem que participar”. Mudou um conceito secular em 30 segundos..

Nós podemos ter 500 mil aulas, escrever na Constituição e elaborar leis. Esse conjunto de ações não tem o impacto de uma dramatização, de um gesto forte como dessa propaganda. Que provoca emoção em quem assiste. A mensagem central é que o verdadeiro pai cuida do filho. E é direta aos homens. Com o efeito de gerar o sentimento, sem barreiras. Esse é o imenso poder da Cultura tão desprezada.

Em nosso Estado, observamos grandes mudanças no enfrentamento da violência contra a mulher. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por meio do CEMulher, estabeleceu a diretriz de implantação de Redes em todas as comarcas do Estado, como sempre diz a Desembargadora Maria Erotides, a presença deve ser nos 142 municípios.

No Poder Executivo, destaca-se a Secretaria de Estado de Segurança, com implantação de mais delegacias especializadas, núcleos e salas de atendimento, aumento do número de patrulhas Maria da Penha, além de uma superintendência especializada no assunto, com atribuições para o Estado. Mas o ponto alto é trabalhar em parceria com a Secretaria de Assistência Social, enxergando o crime e amparando as vítimas com os contornos que tem, pondo em prática a afirmação vinda do secretário de Estado, Coronel Roveri, sobre a violência contra a mulher. O destaque foi trazer a Assistência Social para a mesa de decisão, trabalhando em parceria na temática. Colocando em prática a frase do início do artigo, de que a violência de gênero não é problema só da segurança pública, dita pelo Coronel Roveri, mostrando que há bons ventos na forma de decisão na temática. Mudança de cultura.

No mesmo passo, não se verifica, até o final da escrita desse artigo, nenhuma outra Secretaria de Estado de Assistência Social, atuando fortemente no combate à violência contra a mulher – como os especialistas preconizam. Nos treinamentos pelo interior, a secretária Coronel Grasielle, que já foi comandante da patrulha Maria da Penha, consegue transmitir aos bombeiros, policiais e assistentes sociais dos municípios a necessidade de trabalho conjunto. Efeito educacional e cultural importante.

Mas a grande mudança ocorrida em 2024, que vemos em termos de combate à violência contra a Mulher, é o pacote antifeminicídio, apresentado e defendido por uma parlamentar de nosso Estado, a senadora Margareth Buzetti. Sim. Leis também possuem efeito propedêutico e criam nova cultura. Que seja a de que o crime contra a mulher é grave, e não fica impune.

Os países que conseguiram diminuir os índices de violência doméstica e crimes sexuais, investiram fortemente em educação e cultura. E colheram resultados em poucos anos.

Se não investirmos nisso, em matérias curriculares, cursos para crianças, jovens e adultos (mesmo nas empresas e serviço público) em editais que prevejam essa temática para eventos culturais em nosso Estado, nossa sensação, sempre será a de estarmos enxugando gelo.

Falei de diversos órgãos e instituições. Mas nesse 8 de março é passada a hora dos gestores de Educação e Cultura sentarem nas mesas em que os demais organismos estão discutindo e planejando o combate à violência contra a mulher.

 

 

*Glaucia Amaral é advogada, Procuradora do Estado, ex-presidente do Conselho Estadual da Mulher, e ex-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-MT

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