Despretensiosamente criado em 2017 quando a Caixa de Assistência dos Advogados, um braço social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), entrou em contato com algumas advogadas com objetivo de convidá-las para montar um time feminino para jogar futebol em uma competição, o “Delação Premiada” persiste nos campos desde então, colecionando títulos estaduais e nacionais.
Apesar de muitas vezes tirarem dinheiro do próprio bolso para sustentar os treinos, pagamento dos preparadores físicos e inscrições de competições, as integrantes seguem juntas acreditando em um sonho em comum: ter mulheres no futebol e promover a representatividade quando o Delação Premiada entra em campo.
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Ao Olhar Conceito, a advogada e volante do time há sete anos, Nathalia Gaíva, de 35, lembra que viu o Delação Premiada nasceu. No primeiro treino, ela era uma das 27 mulheres que aceitaram o convite para jogar futebol. Na época, a OAB-MT incentivou a iniciativa com custeio do treinador uma vez por semana e do campo, gastos que hoje são responsabilidade das integrantes.
“Sempre que a gente se reúne e temos oportunidade, procuramos fazer um resgate mental para lembrar de onde viemos, como chegamos, quem somos e por que lutamos. Quando você faz um resgate disso, você consegue se restabelecer de energia para não se desanimar diante das dificuldades, porque não tem como falar que a gente não se desanima”.
Entre 4 e 10 de novembro, o Delação Premiada será o único time feminino a representar Mato Grosso no maior campeonato de advogados e advogadas do Brasil, o ALIFA, em Vitória (ES). Desde que começaram a participar da disputa, as mato-grossenses já ocuparam o 3º e o 2º lugar do pódio. Em 2022, elas foram vice-campeãs com apenas uma jogadora no banco, enquanto os outros times tinham até oito reservas, explica Nathalia.
Na reta final da preparação para o ALIFA, as advogadas entram de cabeça no mundo do futebol e vivem como atletas: dieta, academia e treinos até três vezes por semana.
“O nosso time talvez seja o que mais tenha títulos, creio que tem um masculino que teve mais, mas fora isso, é o nome time aqui em Mato Grosso. Conheço times de quase todos os estados, representantes do feminino, em alguns a OAB ajuda custeando professor, fazendo parcerias com campo de algum clube… É uma ajuda absurda. Hoje temos a média de custo por treino de R$ 260, treinamos duas vezes na semana, então são R$ 520 por semana, é muito pesado”.
Fora dos campos, Nathalia fica responsável por correr atrás de patrocínio para que o Delação Premiada consiga continuar participando do ALIFA. Neste ano, elas conseguiram apenas uma pequena ajuda para custear a hospedagem em Vitória, enquanto a taxa de inscrição de R$ 5 mil foi paga pela OAB-MT.
Para ajudar nos gastos de manutenção do time, as advogadas pagam uma mensalidade de R$ 120, mas Nathalia brinca que a conta nunca fecha. “Temos apoios de empresas, por exemplo, para essa competição vou visitar os lugares com um ofício, mas é sempre algo pontual. Fora isso, é gestão, literalmente, é você não gastar com coisas que não precisa, tentar pedir desconto, fazer parcerias…É um trabalho que eu tenho. Passagem é cada uma por si, hotel a gente consegue apoio de empresas”.
Sobre a discrepância de investimento e visibilidade entre o futebol masculino e feminino, Nathalia afirma que é de grão em grão que as mulheres vão conseguir ganhar mais espaço no esporte. Para ela, trata-se de uma questão cultural sobre o interesse da população.
“A questão de apoio também tem que ser pensada, não tem como eu investir, vamos supor R$ 10 mil onde ninguém ou poucas pessoas vão ver minha marca. É muito mais cultural, que vem mudando bem pouquinho, mas se olharmos para trás, já mudou muito, é de grãozinho que vamos conseguir ganhar espaço e visibilidade, mostrando que pode ser interessante”.
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Amizade e intimidade no campo
Muitas das mulheres que ainda fazem parte do Delação Premiada desde que ele foi criado, em 2017, por isso é inevitável que os laços de amizade fossem sendo estreitados ao longo dos sete anos em que jogam juntas. A intimidade entre as jogadores pode ser vista no campo e se tornou essencial em cada uma das vitórias.
Apesar de não conviverem tanto quando desejam por conta das rotinas, já que além dos treinos, elas também trabalham como advogadas e algumas são mães, uma das particularidades de um time feminino, reforça Nathalia. Em 2022, ano em que foram vicecampeãos da competição nacional, elas se uniram para pagar a passagem de uma das integrantes que estava estudando em Portugal para que ela também participasse do evento.
“Mas lá [no campo] parece que crescemos juntas de tanta intimidade, porque o esporte traz muito isso. Precisamos ter intimidade, conexão e estar com o mesmo pensamento. O futebol, além da saúde física e mental, tem a parte disciplinar, hierárquica e educacional, que acho que é a melhor. Você pode ter uma no time que tem mais talento, mas ela não joga sozinha, ela precisa de todo mundo e quando isso acontece, o coletivo precisa funcionar”.
Desde 2017, algumas mulheres já saíram, enquanto outras retornaram e novas chegaram para treinar, mas o sentimento de saudade é o que prevalece entre as que ainda não conseguiram voltar para o Delação Premiada.
“Tem uma que entrou em 2017 que está tentando retornar, teve dois filhos de lá para cá, ela sempre fala que está com saudade e elas sentem saudade mesmo, não conseguem se adequar por conta da rotina, é marido, trabalho, casa, filhos… Não é fácil, mas elas tentam se adaptar, muitas vezes não conseguem participar da competição, que tem um nível muito alto, mas fazem por lazer mesmo, costumo dizer até por saúde mental”.
Nathalia afirma que não acredita que o empoderamento se encaixe na proposta do Delação Premiada, apesar de destacar a importância da representatividade feminina no futebol e outros espaços.
“Quando se usa o termo empoderamento, às vezes parece que nós temos que ser acima. Entendo que quanto mais tratarmos algumas situações com diferença, mais diferentes vão ser tratadas. Luto pela igualdade, se pode para fulano, tem que ter para ciclano, tem uma máxima no Direito que é: tratar os iguais com igualdade e os desiguais na medida de suas desigualdades. Não tem como tratar uma mulher e um homem igual, mas na medida das desigualdades, é possível que isso fique igual”.
Caráter social do Delação Premiada
Quando o time se tornou um compromisso para todas as integrantes, ele também se tornou uma empresa, explica Nathalia, tendo sido estruturado como um projeto para que elas consigam patrocínio, por exemplo.
Um dos pontos destacados pela advogada é o caráter social que o Delação Premiada carrega. Um dos sonhos da volante do time é chegar nas faculdades para que novas gerações de mulheres sejam impactadas pelo futebol. Além disso, ela também acredita que enquanto advogadas que já estão no mercado de trabalho, as integrantes podem repassar conhecimento e experiência.
“Nossos treinos são possíveis porque outras mulheres vão lá ajudar a gente a treinar e compor, não são sempre as 18 que estão lá, as vezes vão 10 ou 8. Então, essas mulheres de fora que vão a nosso convite, que conseguem ir, porque não é tão fácil, elas sempre nos ajudam”.
Apesar de não terem conseguido realizar a edição de 2024, elas também organizam o Torneio Delação Premiada, uma forma que encontraram de envolver a comunidade e angariar fundos para o time.
“Tem times femininos e masculinos, saímos correndo atrás de apoio para ajudar no custeio dos treinamentos, é um trabalho árduo. Trazemos as mulheres e os times femininos, mostramos para elas a importância de se estar unido, por mais difícil que seja, trabalhamos esse contexto social, é algo que gostaria de passar para essa nova geração. Estamos tentando trazer para perto, fazer o convite nas faculdades”