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Opinião Quarta-feira, 19 de Outubro de 2022, 06:24 - A | A

Quarta-feira, 19 de Outubro de 2022, 06h:24 - A | A

LOUREMBERGUE ALVES

Vossa Excelência, a Mentira!

Lourembergue Alves

A mentira sempre foi a protagonista no jogo político-eleitoral. Ao contrário da verdade, que não passou, nem passa de simples coadjuvante. Ainda que haja, e sempre há quem procura esconder tal situação, e o fizera, faz com o rosário da moralidade em punho, auxiliado por um coro bastante afinado, diante da pia batismal do faz-de-conta, com a partitura da meia-verdade. Meia-verdade é uma mentira por inteira. Mesmo cantada e decantada na psicologização do púlpito, adossado ou não a uma coluna em forma poligonal, com o povo a mendigar por esperança como alimento, no interior da arena, porém dividido entre a água da neurose, o vinho da psicose e a ceia da rivalidade fraterna e do lapso freudiano, sem que tivesse sido profetizado por Simeão, nem causado pela fúria de Herodes.

Tampouco ignorada por fariseus. A dor se faz estampada. Não contida, nem tentada, com grandes e pequenas tragédias a assolarem os rebanhos. Leões, ursos e Golias ameaçam a todos. Lobos ferozes se aproximam. “Sejam bem-vindos”, diz a placa na entrada, enquanto o mal e o bem se digladiam, sem ter conhecimento algum da arte da esgrima, ainda que no clarão do dia, e mesmo se fosse noite, em meio a sete cores do arco-íris, perdidos estariam no culto centrado de Caim, em meio a restos da construção de Babel, com a rouquidão da voz a gritar: “Barrabás!”

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Nada mais resta a fazer, a não ser esperar, ainda que a espera seja, de verdade, longa. Longa e cheia de dobras, bifurcações, ladeiras e subidas. Igual percurso feito pelas mentiras. Mente-se porque tem pessoas que acreditam no que lhes são contadas, ainda que despido de qualquer lastro de veracidade. Contadas, mesmo que grosseiramente. De fácil persuasão. Tanto que nenhuma verdade chega a abala-las. Inabaláveis, fortalecem as falas que têm a fantasia como norte e o medo, alicerce, cujo Estado de coisas, gerado pela magia e ilusão, faz-se aparecer.

Surge em meio aos montes que retardam o amanhecer, pois impedem a passagem da claridade do sol, e, quando noite, a luz do luar. Espetáculo nublado, obscuro, sem qualquer nitidez. Realidades esquecidas, ignoradas. Isso não é reclamado pela plateia. Planteia, ao se calar, consente-o. Ao consentir-se, vê a si próprio a rodopiar, e rodopia, puxado pelo redemoinho de águas turbulentas, a exemplo do Triângulo das Bermudas. Nada tem a ver com o Vesúvio. Nem se encontra no Desfiladeiro das Temópilas. Muito menos no meio do Mar Vermelho. Águas os levam, fazem os retornarem, e são sugados. Gritos e sofrimentos. Feridos existem aos montões. Turbulência do dragão. “O dragão venceu a pandemia. Falta vencer o ódio e a intolerância”. Tem-se o eco da voz que ressoa pelos espaços do santuário. Instante em que, ao longe, se ouve as “Confissões”, de Agostinho: “Fizeste-nos para ti e inquieto será o nosso coração até que descansemos em ti”.

Alívio! Nem tanto. Ainda resta o redemoinho, e as feras ainda não foram derrotadas. Sobrevivem em meio ao caos, a desorganização. Mas, sobretudo, pela falta de filtro. Falta esta que alimenta as mentiras. Mentiras que se alastram, no momento em que se dá o assédio eleitoral de empresas e empresários. Lacração e censura se dão. Apropriação indébita da religião. Transformada em isca, captação de votos, em meio às versões que sobrepõem aos fatos, e as mentiras em formas de narrativas espetaculares, que causam temor e indignação. A plateia fica anestesiada. No ponto para ser ludibriada. Ausência da Palavra. Reina a mediocridade. Entrega-se ao entusiasmo. Desaparece o verbo. Pregação sem a presença da verdade. Culto à personalidade. Personagem fabricado. Vendido como produto. Ronda-se, então, o perigo, com a não cura das feridas. Ninguém se culpa por elas, nem com a própria dor que elas causam.

É isto.

Lourembergue Alves é professor universitário e estudioso do jogo político.

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