Andamos a passos lentos em ações efetivas na defesa da mulher, mas estamos andando. A evolução é mais notada quando se vivencia a história. Há algumas décadas, ouso dizer que até umas duas décadas atrás, a violência contra a mulher era pouco discutida, entendida e divulgada.
Os crimes praticados contra as mulheres eram tratados como qualquer outro crime que acontecesse e passavam sem nenhuma problematização pela sociedade. Só viravam notícias, e casos de investigação mesmo, quando esses crimes envolviam óbitos ou hospitalização (e olhe lá). A mulher deveria obedecer ao marido, servir e satisfazer, caso contrário, merecia ser punida.
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Vivenciando essa sociedade que vem se transformando nas últimas duas décadas, e observando o tanto de casos tristes que conheci, podemos dizer que foi preciso chegar ao fundo do poço, com milhares de mulheres sofrendo violências nas suas próprias casas, para que o mundo entendesse que SIM, nós mulheres sofremos violências só pelo fato de sermos mulheres.
A ideia patriarcal ainda predomina na sociedade brasileira e os números podem mostrar. Recentemente foi divulgada a 10ª edição da pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), que mostrou que 30% das mulheres do país já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Isso levando em consideração as mulheres que denunciam!
Ainda conheço muitas mulheres e homens que sustentam um conceito preconceituoso e nocivo de que a mulher deve ser submissa, mas acredito que o mais perigoso são os “vieses inconsistentes”. Esses preconceitos e estereótipos “invisíveis” que moldam nossas ações quase que automaticamente, induzindo a decisões tendenciosas e comportamentos prejudiciais.
Quer exemplos? Mesmo sendo mulher, acreditar que é o nosso dever cuidar da casa, ou que não podemos usar determinadas roupas, ou que o homem que deve sustentar financeiramente a casa e administrar o dinheiro, ou minimizar os casos de assédio dizendo que são mimimi, ou menosprezar outras mulheres que não seguem esse “padrão imposto”, enfim, são tantas situações.
De fato, a Lei Maria da Penha foi um marco para as mulheres, principalmente por trazer uma nova visão sobre o crime, saindo apenas da violência física e abrangendo outros tipos de violências, como a psicológica (ações que prejudiquem a autoestima, que cause danos emocionais e outros), moral (condutas como calúnia, difamação ou injúria), sexual (coagir, obrigar uma mulher a ter relações sexuais e outros) e patrimonial (retenção de bens, documentos e outros).
Ainda conquistamos outros avanços, como a definição de um termo específico para tratar os casos de mulheres que são mortas dentro de casa ou por pessoas da convivência da vítima, especialmente o companheiro. Desde março de 2015, a legislação brasileira passou a considerar o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio. O termo ajuda a entender o quão relevante são esses crimes de ódio cometidos contra as mulheres.
Vejamos que o Brasil é um dos países que mais evoluiu em políticas públicas de proteção às mulheres, mas por que ainda assistimos diariamente mulheres sendo mortas? A resposta está na falta de punição efetiva. Acredito que esses criminosos deveriam sentir as consequências, serem prejudicados mesmo, como com a perda do cargo se for servidor público e a demissão no setor privado. Inclusive, isso deveria ser lei.
A própria lei ainda precisa ser mais dura. Casos de feminicídio, em que a pena chega a 30 anos, não levam em consideração o homem que matou mais de uma mulher, essa pena deve ser por vítima, se em uma única situação foram dois feminicídios, deve ser a pena de 60 anos e não apenas 30. Esse criminoso não pode viver em sociedade. Aliás, são tantos abrandamentos e “jeitinhos” que são dados aos presos, que em 1/3 da pena eles são liberados, e voltam a praticar novos crimes. Quanto vale a vida de uma mulher?
É preciso repensar a punição e a fazer valer. Perder o cargo é apenas uma das milhares de atitudes que devem ser tomadas contra uma pessoa que comete crimes contra as mulheres. A sociedade civil tem que se unir e repensar o que precisa ser feito, porque, infelizmente, os números mostram que ainda seguimos perdendo uma mulher a cada seis horas no país (Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2022).
*SONIA MAZETTO é gestora de Potencial Humano, terapeuta integrativa, fonoaudióloga e palestrante