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Opinião Terça-feira, 15 de Abril de 2025, 07:33 - A | A

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EDITORIAL - 15.04.2025

Quaresma e a banalização da vida

Da Editoria

Editoria | Estadão Mato Grosso

A morte de Ney Muller Alves Pereira, um morador de rua de 42 anos, nas mãos do procurador da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), Luiz Eduardo Figueiredo Rocha e Silva, resgata uma discussão urgente sobre a banalização da vida humana e os limites da violência no cotidiano. O assassinato, que ocorreu na noite de quarta-feira, 9 de abril, em Cuiabá, é um reflexo do que a sociedade vem permitindo: a ideia de que um simples dano a um bem material justifica a tomada de uma vida.

O crime foi registrado por câmeras de segurança, mostrando Luiz se aproximando de Ney, chamando-o e disparando um tiro fatal contra sua testa. O ato, registrado com frieza, revela a banalidade com que a vida de um ser humano foi tirada, sem que o autor tenha dado qualquer chance de defesa à vítima.

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Este episódio não pode ser tratado apenas como um caso isolado, mas como parte de um quadro mais amplo de violência cotidiana, onde o desprezo pela vida alheia se torna cada vez mais comum. A vítima era um homem em situação de rua, frequentemente marginalizado pela sociedade e vítima de um sistema que não proporciona a ele as mesmas oportunidades que a maioria. O fato de Luiz ter agido de forma tão impiedosa, em um contexto onde o dano a um bem material foi o catalisador da violência extrema, coloca em questão o real valor atribuído à vida humana na sociedade contemporânea.

O assassinato ocorre em um momento delicado do calendário cristão: a Quaresma. Este período, apesar de suas diferentes interpretações religiosas, sempre representou para a sociedade uma oportunidade para reflexão e transformação pessoal. É um tempo para repensar atitudes, se reconectar com os valores mais profundos da humanidade e buscar o aperfeiçoamento pessoal. No entanto, o que vemos em episódios como o de Ney é uma inversão desses valores. Em vez de promover a reconciliação e o respeito ao próximo, há uma crescente tendência à violência e à intolerância.

A mensagem deixada por figuras históricas como Jesus Cristo, que escolheu os mais pobres e marginalizados para ensinar sobre compaixão e respeito, parece ser cada vez mais ignorada. Em vez de promover uma cultura de paz, estamos cada vez mais imersos em uma sociedade que vê na agressão a resposta a conflitos cotidianos. A morte de Ney, um homem sem recursos, sem poder de defesa, é um reflexo desse modelo, que exclui e desumaniza aqueles que não têm voz.

Embora as circunstâncias do crime ainda estejam sendo investigadas, o caso evidencia um perigo real de despersonalização. O autor, ao agir movido por um motivo fútil, não apenas tirou a vida de alguém, mas também demonstrou um abismo de indiferença pelo sofrimento humano. O que se espera da sociedade e das instituições é uma resposta à altura: uma ação contundente que refute a banalização da vida, que mostre que não há justificativa para a violência, seja ela qual for, em qualquer contexto.

O período de Quaresma, longe de ser um evento religioso isolado, continua sendo uma marca importante de nossa cultura, lembrando-nos da necessidade de sermos melhores, mais compassivos, mais humanos. A morte de Ney, trágica e desnecessária, nos desafia a refletir sobre que tipo de sociedade queremos ser e como podemos, de fato, promover a paz e o respeito ao próximo. Sem esse compromisso, continuaremos a ver a violência, como a registrada nas ruas de Cuiabá, se perpetuar em nossas vidas.

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