A representação disciplinar apresentada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), Renato Gomes Nery, aponta para a existência de um suposto “escritório do crime”, envolvendo advogados, um jornalista, um médico, e um desembargador. O documento também cita outros dois magistrados por comportamentos questionáveis no andamento de três processos envolvendo uma disputa por terra. A representação foi apresentada no dia 17 de junho, e Nery foi assassinado na última sexta-feira, 5 de julho.
O processo foi instaurado pela Ordem, mas tramita em sigilo. No documento, Nery narra o andamento dos processos nos últimos quase 40 anos. Tudo começou com uma ação de reintegração de posse de uma área de 12.413 hectares em Novo São Joaquim (487 km de Cuiabá), em 1988. A ação foi ajuizada pela ex-esposa do cliente, que ganhou a causa na Justiça.
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Passado o tempo, Nery conseguiu uma decisão favorável e seu cliente retomou a área. Em 1992, segundo o documento, o então cliente repassou 4.307 hectares a outro homem e, em 2001, 2.579 hectares a Renato Gomes Nery, como pagamento dos honorários pelo serviço prestado nos últimos anos.
Nery relata no documento que durante o período em que a área esteve sob domínio da ex-esposa de seu cliente, diversos posseiros a invadiu. Portanto, eles precisaram ajuizar ações de reintegração de posse para ter, de fato, domínio sobre a propriedade.
Porém, após o falecimento de seu cliente, ocorrido em 2009, a viúva ingressou com uma ação para anular a cessão da área, concedida a Nery por seu cliente. Renato acusa o advogado da viúva de usar métodos ilegais e antiéticos na busca de conseguir uma decisão favorável na Justiça.
Em 2019, a viúva teria passado uma procuração ao seu advogado, dando plenos poderes sobre as propriedades. Esse jurista, por sua vez, segundo a acusação, teria vendido parte da propriedade que até então pertencia a Nery, mesmo sem uma decisão judicial favorável.
O processo parou nas mãos de uma juíza de primeiro grau, que teria proferido duas decisões contraditórias sobre o mesmo caso, uma negando o pedido e outra o acolhendo. Num recurso, prevaleceu a primeira decisão, que julgou o pedido improcedente. O caso ainda teria recebido o apoio de outro magistrado, segundo o advogado.
O caso então foi parar na segunda instância, momento que outro desembargador teria participado do julgamento. Segundo Nery, o filho desse magistrado é sócio oculto do advogado denunciado por ele na Comissão de Ética da OAB-MT, o que o tornaria impedido para julgar o caso.
Além disso, segundo o advogado, esse magistrado teria se mostrado interessado no caso e o desafiado para uma troca de tiros.
Nery também acusou um jornalista de publicar reportagens inverídicas sobre ele, para prejudicar sua imagem. Já em relação ao médico, o advogado afirma que ele foi responsável por apresentar um laudo técnico falso, apontando que a assinatura de seu cliente, de cessão de terra, não seria autêntica. Esse laudo, segundo o documento, acabou sendo desmascarado posteriormente.
ACORDO
A representação também menciona que em 2020, quando estava com covid-19, Nery foi coagido por outro advogado, supostamente a mando do alvo da denúncia, a assinar uma conciliação acerca da propriedade.
O jurista, hoje morto, afirmou no documento que essa coação era sempre ressaltada com a ameaça de que, se ele não firmasse acordo sobre a área, perderia tudo, devido à aliança com o desembargador.
O acordo foi assinado, mas Nery ajuizou uma ação pedindo sua anulação.
EXECUÇÃO
O advogado Renato Gomes Nery foi vítima de atentado na última sexta-feira, quando chegava em seu escritório, situado na Avenida Fernando Corrêa da Costa, em Cuiabá. Ao todo, foram sete disparos, mas apenas um acertou a vítima, na cabeça. O crime ocorreu em plena luz do dia, cerca das 9h.
Nery foi socorrido com vida e levado ao Complexo Hospitalar de Cuiabá, onde passou por cirurgia e permaneceu em estado grave. Porém, na madrugada de sábado, 6, o advogado acabou não resistindo e morreu.
O atirador fugiu em seguida e ainda não foi identificado. A Polícia segue investigando o caso.
OUTRO LADO
A assessoria de imprensa da OAB-MT emitiu nota acerca da instauração do processo ético-disciplinar para apurar as denúncias feitas pelo advogado Renato Gomes Nery. A reportagem questionou se o caso também foi encaminhado à Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e ao Conselho Regional de Medicina (CRM), acerca das acusações envolverem magistrados e um médico. Porém, não houve posicionamento da OAB-MT.