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Cidades Sábado, 17 de Agosto de 2024, 07:03 - A | A

Sábado, 17 de Agosto de 2024, 07h:03 - A | A

TRÁGEDIA NO SHOPPING

Da ruína à esperança do recomeço: "Ter esperança que um dia vou ter tudo de volta", diz lojista

Bruna Cardoso

Repórter | Estadão Mato Grosso

O incêndio no Shopping Popular foi uma das maiores tragédias já ocorridas em Cuiabá. Na madrugada do último dia 15 de julho, mais de 600 lojistas viram seus sonhos e investimentos de anos serem consumidos pelo fogo. A estimativa do prejuízo pode chegar à casa dos bilhões. Diante dos destroços, empresários e funcionários estão alocados em tendas que ocupam metade da via da avenida lateral ao complexo comercial, na Carmindo de Campos, e calçadas.

Atraída pelo cheiro de salgados feitos na hora, nossa equipe conheceu Tânia Prudente Santos, proprietária do Sabor Diferente. Associada há cinco anos, a empresária está trabalhando na calçada de uma loja de eletrônicos em frente ao camelô. Tânia continua produzindo todos os lanches do cardápio como antes, mas para isso contou com a solidariedade de amigos e familiares.

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“Falar para você que é fácil, não é. É Deus que tem dado força, porque não é fácil. E o que a gente espera, né? É que um dia a gente possa voltar. É ter esperança de que um dia vou ter uma nova loja e vou ter tudo de volta. Nossa esperança hoje é essa. A gente depende das autoridades, depende da população. Então, é Deus no comando e gratidão. Só Deus mesmo pra me dar forças para permanecer a cada dia aqui”, disse ao Estadão Mato Grosso.

Além de perder tudo, Tânia, que tinha três lojas, teve que demitir quatro dos cinco funcionários que a ajudavam na preparação dos lanches, sucos, açaí, vitaminas e no atendimento. Os funcionários estavam com ela desde o início, mas, com o incêndio, a empresária não teve como mantê-los.

“Viemos para cá com uma mesinha. Eu tinha um balcão e uma prateleira em casa que trouxe, e o dono da Central Cell, que é uma pessoa maravilhosa em nossa vida, eu falo que foi um anjo enviado por Deus, ele falou que a gente poderia ocupar o espaço [calçada] e aí começamos a ganhar mais coisas”, recorda Tânia.

Segundo ela, o Sabor Diferente contou com a solidariedade de clientes, amigos, familiares e desconhecidos. “Ganhamos um freezer, uma estufa, uma chapa. Tudo que temos aqui hoje foi assim, ganhando. As pessoas contribuíram. Todos ficam muito emocionados de ver a gente na rua, de não ter nada, e cada um quis contribuir de uma forma”, disse.

Como as instalações das bancas do camelô estão na rua, os lojistas precisam recolher os produtos e levar para casa, o que gera outra dificuldade para Tânia. Antes da tragédia no shopping, ela teve um acidente de carro que deu perda total, e para ir embora levando os produtos que não podem ficar na rua, ela depende da solidariedade de amigos e outros lojistas.

“É triste porque fica aquele desespero, todo mundo perguntando para você o que vai acontecer, o que vai fazer, e você não tem resposta”, diz Tânia à nossa reportagem.

Ter esperança e não desistir jamais

Assim como Tânia, Ênio Gonçalves, proprietário do Shopping do Celular - Assistência Técnica e Acessórios, associado há 27 anos, também precisou receber doações, pois todos os produtos foram queimados. Apesar de tudo, ele sempre foi camelô e não pretende parar.

“A maioria das doações são de clientes que conhecem a gente há muito tempo, respeitam nosso trabalho e doaram para nós. As máquinas, eu perdi todas. Então, foi doação de uma família e de um grande amigo meu. As outras máquinas foram amigos nossos que doaram”, contou.

Luciana Oliveira, associada há quatro anos, proprietária do Conexão Digital, também teve que recomeçar após o sonho ter se transformado em cinzas. Por ser credenciada ao Intelbras e ter perdido todos os produtos, ela teve que recomprá-los para conseguir se manter, abrir a banca na rua e atender os clientes.

“Queimou todo o nosso estoque, um prejuízo de mais de duzentos mil, assim como todos aqueles que perderam seus produtos. Esses produtos que trabalhamos provisoriamente [produtos que estão na banca] são “boletinhos” que temos que pagar e eu consegui consignar com outra parceria também. Emitimos nota fiscal, tudo legalizado certinho, então também temos que prestar contas com impostos. Estamos de modo provisório na expectativa de dias melhores, mas tudo que se vê aqui são contas que ficaram e estamos tendo que fazer novas para poder nos reestabelecer e atender os clientes”, desabafou.

Além disso, Luciana e Ênio contaram que ainda estão sofrendo com a baixa quantidade de clientes que passam pelo local.

“Cada dia aparece clientes, mas eles estão meio tímidos ainda, acabam não vindo. Admiram de longe, uns passam de carro, gritam, dão força para nós. Creio que, quando resolverem o local definitivo, nossos clientes voltarão cem por cento”, disse Luciana.

Na última sexta-feira, 2 de agosto, uma notícia de alívio chegou para quem aguarda ansiosamente a realocação: em até 30 dias, uma nova estrutura deve ser montada no Complexo Dom Aquino ou no estacionamento do antigo Shopping Popular.

"Conversei com a empresa responsável pela estrutura que será montada para atender aos lojistas e eles devem começar os trabalhos em 15 dias. Tudo ficará pronto em até 30. Espero que dê certo para instalarmos no Complexo, mas, se não for possível, ficaremos no estacionamento do Shopping. Já estão retirando os entulhos de lá", contou o presidente da Associação de Camelôs do Shopping Popular, Misael Galvão, em entrevista exclusiva ao Estadão Mato Grosso.

Segundo o presidente da Associação, a prioridade agora é construir o espaço provisório para atender os lojistas, para que eles possam 'sacudir a poeira' e voltar aos trabalhos com mais segurança.

"Encaminhamos os documentos e já obtivemos o respaldo da Prefeitura, do Governo do Estado, por meio do chefe da Casa Civil, Fábio Garcia, e do governo federal, através dos ministros Fernando Haddad e Carlos Fávaro, para investir na estrutura provisória até termos nosso local de volta, como tanto sonhamos", concluiu.

Dificuldades para voltar e apoio emocional

Apesar do esforço para encarar a nova realidade, muitos associados ainda estão com dificuldades de retornar ao trabalho, conforme apurou nossa reportagem. Sob tendas doadas, cerca de 500 lojistas estão aglomerados em espaços menores do que as bancas do moderno prédio, agora inexistente.

Diante desse cenário, Luciana relata cansaço físico e mental, principalmente com a nova rotina de montar e desmontar as barracas. Ficar embaixo de uma tenda, sofrendo com o calor intenso em um dos meses mais quentes do ano, agrava ainda mais a situação.

“É bem desgastante em todos os sentidos, né? Mental, físico... A gente desmonta seis e meia, sete horas da noite, seis horas da manhã já estamos aqui montando de novo. Mas essa rotina já está virando um hábito para nós. Passamos por muitos desafios, como o calor, as temperaturas altas, o clima seco. Mudou tudo da nossa rotina que tínhamos”, disse.

Para tentar amenizar o sofrimento e dar apoio aos associados, o presidente do Shopping Popular, Misael Galvão, está buscando ajudar os colegas que estão emocionalmente abalados. Nem todos estão bem; ele contou que um precisa ajudar a reerguer o outro, seja ligando, mandando mensagens para saber se todos estão bem.

“Eu e minha esposa também estamos tomando café com os associados às 6h da manhã, com a família, porque eles ainda não apareceram aqui. Então eu liguei, conversei com as pessoas, conversei com a família, eu preciso ir lá para ver se consigo trazer essa pessoa para cá na segunda-feira. [...] Eu cuido desses 600 associados como se fossem meus filhos”, disse.

Misael relatou que há associados e funcionários dividindo marmitas para conseguir superar os obstáculos. Também há muita solidariedade entre eles; há empresários que fazem doações de comida lá, inclusive as tendas foram doadas. Com o apoio um do outro, Misael tem fé que tudo ficará melhor.

O Shopping Popular foi inaugurado em 21 de abril de 1995 para alocar aproximadamente 400 comerciantes que atuavam nas ruas de Cuiabá. O local, com 10 mil m², passou por uma grande reforma em 2015 e passou a abrigar mais 200 bancas, chegando ao total de 600 associados. Após a tragédia, haverá mais um capítulo na história do Shopping Popular. Todos esperam que em até 18 meses o novo local estará pronto para recebê-los e pôr fim à angústia.

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Estadão Mato Grosso

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