O número de cidades da Amazônia Legal com a presença de facções criminosas cresceu 46%, revelou nesta quarta-feira (11) o estudo "Cartografias da violência na Amazônia", do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC).
A Amazônia Legal é formada por nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e por parte do Maranhão, num total de 772 municípios. A área foi delimitada em 1953 por uma lei federal com o objetivo de criar políticas para o desenvolvimento socioeconômico da região.
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Em 2023, o fórum identificou 178 cidades com facções. Em 2024, esse número subiu para 260 municípios, o que representa 33,7% da Amazônia Legal.
Os pesquisadores destacam, no entanto, que este número é conservador, e a presença criminosa deve ser ainda maior. "É possível que a gente tenha presença [de facções] em outros municípios onde ainda não surgiram indícios que a gente possa documentar", disse o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques.
Já o número de facções atuando caiu, de 22, no ano passado, para 19, em 2024. Entre elas, duas importadas da região Sudeste se destacam: o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Queda nas mortes violentas
Em 2023, o número de mortes violentas na região caiu, e para os pesquisadores, isso se explica, em parte, pelo domínio das facções criminosas em algumas regiões. Onde há a presença de mais de uma e disputa entre elas, os índices de violência observados são mais altos.
"Em parte, a redução na taxa pode ser explicada por um crescimento no número de municípios que estão, por assim dizer, dominados, ou que tenham presença de apenas uma facção. Nesse sentido, cresceu muito a influência do Comando Vermelho na região", disse Marques.
Das 260 cidades com facções, 176 são dominadas por um único grupo criminoso – em 130, essa hegemonia pertence ao Comando Vermelho (CV). Em 28, ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Em 84 municípios, há disputas ou coexistência entre dois ou mais grupos criminosos.
Para os pesquisadores do estudo, dois fatores contribuem para a difusão dessas facções criminosas pelo interior. "O primeiro diz respeito às alianças entre grupos dentro do sistema prisional, já que é comum que nos presídios ocorra o processo de “batismo”. O segundo fator tem a ver com a própria dinâmica do mercado de drogas, onde a Amazônia desempenha um lugar central como área de trânsito", diz a pesquisa.
Disputa de territórios e violência
A Amazônia Legal é uma região estratégica para as organizações criminosas. O Brasil faz fronteira com os três principais países produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Bolívia e Peru. "Além de ser vizinho desses países, o Brasil também é um grande mercado consumidor, e é um hub logístico dessa cadeia transnacional de produção de drogas", analisa Marques.
A disputa pelas rotas do narcotráfico se soma a antigos conflitos fundiários e disputas de terra para a exploração do solo, do desmatamento ao garimpo. Em comum: o controle armado destes territórios.
Os crimes também se sobrepõem e se conectam. O narcotráfico tem usado para lavagem de dinheiro, inclusive, as cadeias produtivas de madeira e ouro. Diferentemente da cocaína e da maconha, estes são produtos potencialmente legais.
"Esse processo tem se aprofundado na região amazônica, em diferentes áreas. A gente viu, por exemplo, o contexto do assassinato do Dom Phillips e do Bruno Pereira ali na região do Vale do Javari. São atores que tem a ver com o narcotráfico, mas tem a ver também com a exploração ilegal de pescado", explica o coordenador do Fórum.
O estudo também aponta uma relação direta entre a degradação ambiental e a violência. Os pesquisadores destacam nove vetores de desmatamento, entre eles corredores de expansão econômica que levaram violência em sua esteira. Os que causaram mais danos ambientais, de acordo com os pesquisadores, são as rodovias Cuiabá-Santarém e a Transamazônica.
"São setores de desenvolvimento econômico pensados por uma prática predatória. Os vetores acompanham o avanço da fronteira econômica, a questão do pasto, da soja, do desmatamento ilegal. Na medida em que essas fronteiras econômicas avançam, elas avançam sobre as áreas de preservação, sobre reservas indígenas, e passam a ocorrer disputas pelo mesmo território", analisa o pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e diretor-presidente do Instituto Mãe Crioula, Aiala Colares Couto.
Interiorização da violência
As disputas de territórios transformou cidades pequenas e pacatas em algumas das mais violentas do país. É o caso de Santana, no Amapá, e Sorriso, em Mato Grosso.
As organizações criminosas provocaram a interiorização da violência. Dos 50 municípios mais violentos da Amazônia Legal, há apenas uma capital - Macapá.
Em primeiro lugar está Cumaru do Norte, no sudeste do Pará. Localizada na área rural, a cidade tem cerca de 14 mil habitantes e uma taxa de 141,3 mortes a cada 100 mil habitantes. Cumaru do Norte nasceu em torno de um garimpo, que até hoje é o principal motor da cidade. O município também é parte da Terra Indígena Kayapó.
"O que está acontecendo hoje? As cidades pequenas se transformaram em espaços de disputas. São cidades com crimes ambientais, disputas de terra, cidades que estão sendo incorporadas às rotas do tráfico de drogas e de outras atividades ilegais, enfim, tem toda uma diversidade de atividades ilegais que agora tem nessas cidades menores a base da sua operação", disse Aiala.
Sustentabilidade?
Em 2025, Belém irá sediar a COP 30 – a conferência do clima das Nações Unidas, quando os holofotes do mundo se voltarão para a região.
Para os pesquisadores do estudo, o controle do crime na região não é só um problema de segurança pública. É também um entrave para a eficácia de implementação de novas bioeconomias e estratégias de financiamento climático.
"Com essa relação entre narcotráfico e crimes ambientais, nós sabemos que isso torna muito mais difícil alcançar o modelo de desenvolvimento sustentável, considerando inclusive que todas essas contradições que se apresentam na região hoje são resultado de modelos de desenvolvimento econômico que deram errado e que precisam ser repensados, senão, não alcançaremos a tal da sustentabilidade", analisou o pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e diretor-presidente do Instituto Mãe Crioula, Aiala Colares Couto.
Veja lista com as 10 cidades mais violentas da Amazônia Legal (Taxa média por 100 mil hab (2021-2023))
1 - Cumaru do Norte (PA) - 141,3
2 - Abel Figueiredo (PA) - 115,5
3 - Mocajuba (PA) - 110,4
4 - Novo Progresso (PA) - 102,7
5 - Nova Santa Helena (MT) - 102,3
6 - Iranduba (AM) - 102,3
7 - Calçoene (AP) - 100,8
8 - São José do Rio Claro (MT) - 100,1
9 - Nova Maringá (MT) - 96,5
10 - Floresta do Araguaia (PA) - 93,2
Veja outros destaques do estudo:
Violência contra a mulher: Em 2022, 691 mulheres foram assassinadas nos estados da Amazônia Legal, contra 629 em 2023. No caso dos feminicídios, o número manteve-se praticamente estável, passando de 236 vítimas em 2022 para 228 no último ano. Apesar da queda, a taxa de feminicídio é 21,4% acima da média nacional.
Uma análise do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR) mostrou que mais de 20 mil imóveis rurais estão em terras indígenas ou áreas de proteção ambiental. Destes, 8.610 propriedades rurais estão ilegalmente sobrepostas a Terras Indígenas (TI) e 11.866 propriedades rurais ilegais em áreas de unidades de conservação.
Estudo mostra a relação entre o número de pistas de pouso e as áreas garimpadas. O estado de Roraima possuía 218 pistas de pouso identificadas em 2021, considerando regulares e irregulares.
Ser indígena na Amazônia é mais perigoso do que fora dela. A região é responsável por 56% das vítimas indígenas de todo o país e abriga 51% da população indígena em território brasileiro, segundo o Censo de 2022.
A apreensão de cocaína cresceu na Amazônia Legal em 2023.