O crime organizado não é fenômeno recente nem em Mato Grosso nem no Brasil.
É usual entre acadêmicos citar o conluio entre presos comuns e políticos no Rio de Janeiro, durante o regime militar, como fator decisivo para que a ideologia entrasse no crime e daí constituísse “partidos”, cada qual, valendo-se do tráfico de drogas e do crime violento para prosperar. Fossem as precárias condições penitenciárias em São Paulo, a coligar diferentes perfis criminosos em torno da mesma causa, fosse a incestuosa relação estabelecida no Rio de Leonel Brizola, atualmente, com frequência temos notícias de divisões e dissidências entre essas organizações.
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Algumas são empresarialmente montadas, à maneira de cartórios contábeis com missão, visão e valores, outras já parcamente estabelecidas, orientadas mais pelo fluxo das ruas ou pelo capricho dos líderes, a maioria: sociopatas. Mas, invariavelmente ouvimos acerca de novos territórios e rotas que são alegadas país afora, por esta ou aquela facção, velha ou nova. Isso não é novidade para ninguém que acompanha segurança pública. Se estendermos nossa breve análise histórica ao mundo iremos entrar no amplamente documentado conceito de “máfia”, que antecede o que conhecemos por “facções”, lembrando de passagem, das míticas máfias sicilianas, a Camorra italiana, os modelos orientados como cartéis, recordando agora a triste Colômbia de Pablo Escobar e Orejuela. Lembremos da máfia japonesa, e os dragões da Yakuza, que fizeram moda em tatuagens pelos anos 1980 aqui no Brasil, mesmo a milhares de quilômetros de Tóquio, tudo, dada a influência dessas organizações no imaginário popular. O narcoterrorismo, nem de longe, é algo fora do radar das ciências policiais.
Dado tudo que foi dito, uma coisa é certa: nenhuma das organizações criminosas citadas foi extinta, ou atenuada em suas danosas ações, apenas com repressão policial. Não há experiência no mundo civilizado que dê à polícia, exclusivamente, o mérito de ter derrubado, com seu próprio e solitário esforço, uma organização criminosa digna desse nome. O que reclama tal mérito, com razão, são políticas públicas a reboque de macro políticas criminais. Disso decorre a erosão das máfias italianas, por exemplo, em mais de três décadas, lenta e gradualmente num esforço nacional a envolver todo aparato de Estado. Varrendo das ruas homens de sangue e dos gabinetes os de colarinho branco, pois é da natureza dessas organizações seu flerte com atores institucionais.
Delegar, portanto, às polícias, ou o que é pior, à polícia militar, o que compete a um imenso trabalho convergente dos três poderes, somado ao Ministério Público e sociedade civil, parece, muito ao contrário do que se pretende, a melhor forma de não resolver o problema. Com isso, não afasto a solução que vislumbro em vista da complexidade do problema, tampouco omito o papel relevante que a PMMT tem nesse cenário de combate. E temos combatido, vale dizer, e muito!
Peço sua atenção nas linhas que seguem a fim de pensarmos juntos o tema “facções” e o trabalho da PMMT.
Assumo em meio a prisão de dezenas de policiais militares, sim, dezenas. Todos eles, em tese componentes de um “esquadrão da morte”, ou algo parecido. Tratavam-se de investigações múltiplas, com indiciados sem defesa sustentada ou oitiva prévia, por vezes, pms que sequer estavam nos locais dos fatos, mas foram presos apenas por constarem em escalas de serviço do dia. Algo surrealista se desenhava ali que fortalecia o crime organizado indiretamente. De quebra, nomearam a operação como “mercenários”, jogando assim na lama nomes de profissionais na imprensa que, uma vez inocentados à frente, perderam de antemão a reputação de anos. Homens, em princípio e até que se prove o contrário, que deram a cara ao perigo, respondendo legitimamente ao fogo das facções aquela altura estavam presos, horas após minha assunção como Comandante-Geral.
Não há que se negar um abalo moral generalizado na tropa, dado o respaldo inexistente de atores que deveriam cooperar no enfrentamento às facções. Cooperação essa que não pedimos jamais no âmbito de eventual prevaricação ou condescendência com maus policiais, de modo algum, de forma que estes nós também combatemos desse lado, porém com respeito à presunção de inocência, ao devido processo legal: o básico em matéria de Direito. Desse fato, que pode parecer lateral ao enfrentamento às facções, na perspectiva do policial que encara essa luta inglória de frente, trata-se de um tremendo balde de água fria. Mas não só.
Lutei como pude pela valorização salarial dos policiais militares em matéria de direitos e vantagens então asseguradas às demais classes da segurança pública: realinhamento salarial; auxílio noturno; gratificação por chamada a qualquer hora; insalubridade; diversos estudos foram apresentados, diversas alternativas foram postas à mesa. E nada chegou a termo; ainda.
Não lutamos por nada além de isonomia, ou seja, tratamento igualitário. Para um gestor atento, não deve haver primogenitura ou preferência entre irmãos que dividem responsabilidades comuns. Por isto, foi que ansiamos e corremos nesses quase três anos por, no mínimo, equiparações.
Lutamos principalmente para conquistar benefícios que tornassem atraente a atividade policial nas ruas. Pois é notório a existência de uma parcela significativa de policiais que em virtude de vantagens pecuniárias oferecidas por outros órgãos secundarizaram o trabalho operacional, fardado. Nossa luta, dessa forma, foi equilibrar balanças de modo a premiar o esforço do policial nas ruas, esse que está lidando no sol com prevenção primária e combatendo diretamente às facções. Vale dizer, sem este guerreiro, as facções teriam se expandido ainda mais. Imperioso lembrar nesse ponto um fato doloroso a nós: que o efetivo previsto para a PMMT é de 12000 pms ao passo que temos menos de 7 mil: não há como dourar a pílula.
Por conta de uma série de fatores, sobretudo políticos, “conquistamos” apenas escalas extraordinárias que remuneram o policial para trabalhar na folga. Deste fato, decorreu um sentimento amargo no coração da tropa, dessa feita já em vias de se desmotivar definitivamente.
Por isso, gastamos o coturno, semanas na estrada, para ombrear lado a lado, encorajando e motivando, aceleramos nossa imagem e voz nas redes sociais para nos fazer presentes junto a todos esses guerreiros. Liderei minha tropa na rua e nas redes, sem temer qualquer incompreendido. E diferente do que se poderia imaginar, nesse cenário difícil, as apreensões de drogas e armas foram recordes. Vários índices caíram. O novo cangaço encontrou em Mato Grosso apenas sua sepultura, vide a Operação Canguçu. Apesar dos nãos recebidos, demos um tremendo sim ao povo mato-grossense: estamos aqui, prontos a servir e proteger.
O Estado mato-grossense por certo tem na PMMT o principal escudo contra às facções, entramos e combatemos em todas as cidades, rincões, bairros, ruas ou vielas, a qualquer hora. Prendemos e prendemos muito. Mas, insisto, temos uma legislação criminal obscena e políticas públicas de Estado que demandam concerto conjunto.
Gostaria de encerrar essa prestação de contas em forma de perspectiva, dizendo: confiem na Polícia Militar de Mato Grosso. Parte considerável da luta contra às facções dá-se por homens e mulheres que, neste instante, estão, caso preciso, sacrificando a própria vida por sua segurança.
*Alexandre Mendes é coronel da Polícia Militar e comandante-geral da PM-MT