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Opinião Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2024, 11:23 - A | A

Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2024, 11h:23 - A | A

TAFNYS HADASSA

Green Card Étnico

O padrão de beleza no Brasil e no mundo, por séculos, é uma pessoa branca

Tafnys Hadassa*

Neste último final de semana, várias páginas de "fofoca" no Instagram e outras páginas de movimentos sociais fizeram publicações sobre o relacionamento de namoro assumido entre o influencer digital Boca 09, de 15 anos, com a modelo Sarah Estanislau de 20 anos. O fato de ele ser menor de idade foi de pequena relevância nos assuntos comentados, frente ao relacionamento interracial do casal.

O Código Penal Brasileiro e o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, determinam que a idade mínima para o consentimento da família é de 14 anos completos. No entanto, sabemos que muitos adolescentes o fazem, sem esse consentimento da família. Neste caso, em particular, não se trata de crime, pois o influencer já tem 15 anos completos.

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No perfil dos mesmos e nas diversas outras páginas, vários seguidores comentaram coisas do tipo: "ela te ama, confia" ou "quero ver se iria te querer na época do pão com ovo"...

Longe do incentivo ao discurso de ódio ou uma lógica segregacionista racial, é preciso repensar como se dão essas relações interraciais de famosos. Por exemplo, sempre que jogadores de futebol pretos, que alcançaram a fama, se relacionam com modelos brancas, esse tipo de debate ressurge.

O padrão de beleza no Brasil e mundo, há séculos, predomina a pessoa branca, magra e com traços finos.

Nesse sentido, o psiquiatra e filósofo Frantz Fanon aborda em seu livro clássico "Pele negra, máscaras brancas" sobre uma certa validação social para pessoas pretas em espaços de poder através de relacionamentos interraciais. Deste modo, o relacionamento com uma pessoa branca traria para a pessoa preta esse tipo de "livre acesso" aos espaços negados anteriormente.

Poderíamos explicar esse fato social com a metáfora de funcionamento cobiçado “green card” nos Estados Unidos da América - EUA. O Green Card é um tipo de autorização oficialmente conhecida como cartão de residente permanente e representa um status de imigração que permite ao indivíduo viver e trabalhar permanentemente nos EUA. É também um precursor da cidadania dos EUA através da naturalização. Ele pode ser obtido após uma série de cumprimentos de requisitos ou através do casamento com pessoa norte-americana.

Esse é um desenho mais próximo do que se pode fazer sobre esse tal “livre acesso” de pessoas pretas em espaços ocupados originalmente por pessoas brancas. Lugares de privilégios e oportunidades. Funcionando também como uma espécie de blindagem contra a segregação racial.

A reflexão que pretendo propor é se tais acessos são realmente necessários, pois em contrapartida há o fenômeno da solidão negra da mulher negra, que ocupa sempre espaços de objetificação sexual ou subserviência serviçal. E assim, então, homens negros heterossexuais sempre estariam buscando por mulheres brancas e vice-versa.

O conceito de racial literacy (letramento racial) foi criado pela socióloga americana France Winddance Twine em 2003 e a primeira tradução para o português é atribuída à psicóloga Lia Vaine Schucman.

De acordo com Lia, o letramento racial está relacionado com a necessidade de desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas. Seria necessária uma reeducação racial para pessoas pretas e brancas de modo a desconstruir parte do racismo estrutural contido no imaginário comum.

Essa reeducação racial, ou letramento racial, seria composta por várias etapas, dentre elas:

Reconhecimento da branquitude, este termo é utilizado pra definição da ideia de que a raça branca é superior às outras, e que diante disso passa a não ser nem considerada uma raça, mas seres humanos. Os outros são racializados, os brancos são pessoas;

O racismo está presente no cotidiano contemporâneo e não preso ao passado;

Para que possamos parar de reproduzir ideias racistas, não basta ser antirracista, é preciso ter uma atuação consciente e consistente para combatê-lo.

O mito da democracia racial é só um mito. O racismo está nas estruturas da sociedade e impõe aos indivíduos o seu lugar no mundo. Impõe às mulheres negras os piores lugares no mercado de trabalho e um salário que corresponde a 48% do que ganham os homens brancos*. No caso de mortes violentas, 76,9% das pessoas assassinadas em 2022 eram negras*. Em 2021, um total de 2.154 pessoas negras foram mortas em ações policiais, segundo a Rede de Observatórios em Segurança Pública. Em 2022, havia 442.033 pessoas negras encarceradas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Maria Julia Reis Nogueira, Nadilene Sales, Tino Lourenço e José de Ribamar Barroso (2023).

O racismo é aprendido;
Práticas racistas estão contidas em pequenas e grandes atitudes. Uma pessoa não é racista somente quando ofende pessoalmente outra pessoa, mas também quando não reconhece seus privilégios e não faz nada para mudar a estrutura da sociedade.

Vocabulário racial;

É de crucial saber ouvir as pessoas negras e alterar a forma de falar que tragam reproduções do racismo e violências repetidas.

REFERÊNCIAS

Fanon, Frantz. Pele negra, máscaras brancas / Frantz Fanon ; tradução de Renato da Silveira . - Salvador : EDUFBA, 2008
NOGUEIRA et. Al, Maria Julia Reis Nogueira, Nadilene Sales, Tino Lourenço e José de Ribamar Barroso (2023), in<: https://www.cut.org.br/artigos/letramento-racial-o-que-a-linguagem-tem-a-ver-com-o-racismo-1f05#:~:text=O%20letramento%20racial%20%C3%A9%20um,pessoas%20negras%20e%20pessoas%20brancas:> Acesso em 29/01/24 às 12:11.

*TAFNYS HADASSA é bióloga, mestra em Antropologia Social pela UFMT, pesquisadora de violência de gênero e militante pela causa feminista e negra

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