Enquanto cidades brasileiras enfrentam a falta da CoronaVac, imunizante aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em julho de 2022 para a faixa etária de 3 a 5 anos no combate a Covid-19, o Instituto Butantan, responsável pela produção nacional da vacina, em parceria com a farmacêutica chinesa SinoVac, possui um estoque de dois milhões de doses que vencem em meados de 2023 e que não foram adquiridas pelo Ministério da Saúde.
Em entrevista exclusiva à GloboNews, o presidente do instituto, médico e professor na Universidade de São Paulo (USP), Dimas Covas, afirmou que nenhuma encomenda adicional foi feita.
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O g1 procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve retorno sobre os problemas na vacinação pelo país.
“O Butantan ainda tem estoque dessa vacina e existe uma demanda reprimida ainda, principalmente na população de 3 anos a 12 anos, que tem usado preferencialmente a CoronaVac. Nós estamos com estoque, portanto não estamos produzindo vacina, visto que não houve nova encomenda de vacina por parte do ministério. Se isso acontecer, além das 2 milhões de doses que nós temos disponíveis, é possível, sim, retomar a produção a qualquer momento”, explicou Dimas.
A última entrega realizada pelo Butantan ao Ministério ocorreu em setembro – outro lote de um milhão de doses.
O presidente disse que as doses fazem parte da encomenda feita logo que o imunizante foi aprovado para a faixa etária, há cerca de quatro meses, mas nenhuma manifestação posterior aconteceu.
“Nós estamos com a vacina pronta aqui. Esperamos que o Ministério se sensibilize e faça novas encomendas pra atender esses estados que precisam completar a segunda dose, principalmente as crianças”.
Segundo Dimas, foram ofertadas ao ministério 9 milhões de doses, e só houve a aquisição de 2 milhões. “As vacinas têm validade de um ano, vencem em meados de 2023 e precisam ser utilizadas. Estamos com essas vacinas estocadas”, completou.
Falta de doses
Em algumas capitais a vacinação para crianças com a CoronaVac está suspensa, como é o caso do Rio de Janeiro, Goiânia e Teresina.
Rio de Janeiro
Na capital fluminense, a vacinação com a D1 (primeira dose) para crianças de 3 e 4 anos está suspensa desde 26 de outubro. Já com a D2, desde o último dia 11.
A Secretaria de Saúde disse que a paralisação se dá devido à falta de novas remessas da vacina CoronaVac, por parte do Ministério da Saúde, e que apesar das solicitações da Secretaria, não há previsão de novos lotes serem enviados pelo governo federal. O público-alvo, no Rio, é de cerca de 190 mil crianças, segundo a Secretaria de Saúde.
Goiás
Em Goiânia (GO), a última remessa de CoronaVac chegou no dia 14 de outubro, segundo a Secretaria de Saúde, que afirmou que aguarda as novas doses, sem previsão, para retomar a vacinação.
Na capital goiana, a vacinação em bebês e maiores de 5 anos segue sendo realizada com a Pfizer pediátrica.
Piauí
Na capital do Piauí, Teresina, a vacinação de primeira dose para as faixas etárias de 3 e 4 anos, que já foi paralisada outras vezes, segue suspensa.
A Fundação Municipal de Saúde informou que o estoque disponível está sendo usado apenas para a segunda dose deste público e que segue aguardando o envio de novas doses pelo Ministério da Saúde.
Vacinação retomada
No Distrito Federal, a vacinação das crianças de 3 e 4 anos foi retomada na última quarta-feira (23), com as primeira e segunda doses. A vacinação havia sido suspensa para o reforço e imunização após quatro tentativas, por ofício, por parte da Subsecretaria de Vigilância em Saúde, de solicitação de novas doses ao Ministério.
A Secretaria de Saúde de Porto Velho, que também havia suspendido a vacinação da faixa etária por falta do imunizante, retomou nesta sexta-feira (25), a vacinação, após o recebimento de 2.760 doses da CoronaVac.
Na capital alagoana, Maceió, a vacinação voltou também na última quarta (23). A cidade também chegou a paralisar a vacinação.
Já em Recife, capital de Pernambuco, a vacinação voltou na quinta (24), mas exclusivamente por meio de agendamento (https://conecta.recife.pe.gov.br/), pois o município recebeu apenas mil doses da CoronaVac. A vacinação está concentrada, segundo a Secretaria de Saúde, em cinco centros de vacinação.
A imunização com a primeira e com a segunda dose para este grupo havia sido paralisada no início de novembro, em Recife, quando a Prefeitura enviou ofício cobrando novas remessas.
Pelo menos 8 das 14 cidades do Grande Recife tiveram a vacinação suspensa em algum momento.
Já em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, a Prefeitura retomou a vacinação do público na última terça (22), após receber novas doses do Ministério da Saúde. A vacina estava em falta nos postos desde a semana passada.
As capitais Aracaju e Belém também tiveram a vacinação suspensa para a faixa etária por falta de doses. As secretarias municipais informaram na sexta-feira (25) que a vacina Coronavac já estava disponível em todas as salas de vacinação das redes para crianças de 3 a 4 anos.
Duas doses apenas para 5,5% do público
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado na semana passada apontou que apenas 5,5% das crianças de 3 a 4 anos receberam as duas doses da vacina contra a Covid-19.
Desde julho, 938.411 crianças de 3 e 4 anos tomaram a primeira dose, e 323.965 tomaram as duas doses, completando o esquema vacinal. O público-alvo, segundo a Fiocruz, é de cerca de 5,9 milhões de crianças dentro dessa faixa etária.
Os números foram levantados pelo grupo Observa Infância (Fiocruz/Unifase) com base em dados do Ministério da Saúde, e serão atualizados na próxima semana.
“Houve uma diminuição acentuada no ritmo da vacinação do Brasil, e temos ainda em torno de 50% das pessoas elegíveis que ainda não tomaram a terceira dose. Falta CoronaVac para o público infantil e nós precisamos retomar a vacinação, retomar o ritmo e proteger o maior número de pessoas, além de atingir índices superiores a 90% de cobertura vacinal completa a partir dos seis meses de idade”, finalizou o professor Dimas.
Impacto na proteção dos pequenos
O fato de as crianças não receberem o esquema vacinal completo no tempo preconizado pode trazer vários problemas, segundo a infectologista Luana Araújo. O primeiro impacto seria na efetividade da proteção quando há atraso entre a primeira e a segunda dose.
"Sabendo-se que as crianças são muito vulneráveis à doença, não disponibilizar a vacinação completa para elas é tripudiar da aflição de pais e mães por proteger os seus filhos", explica Luana.
Para a Sociedade Brasileira de Imunizações, os equívocos do governo federal se repetem neste cenário de vacinação das crianças, como na época da vacinação dos adolescentes, o que é extremamente prejudicial.
"A gente vê que o governo não tem um interesse na divulgação e aposta na baixa adesão. Compra uma quantidade pequena de CoronaVac de 3 a 5 anos, apostando que a adesão seja baixa, não faz divulgação e não estimula a vacinação", diz o pediatra infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Renato Kfouri.
Segundo o pediatra, a postura é um equívoco que vem se repetindo desde a vacinação dos adolescentes. Ele aponta que já naquela fase barreiras foram colocadas para tentar evitar a vacinação, como a convocação de audiência pública, a tentativa de exigência de prescrição médica, a demora na compra e aquisição de vacinas.
"Não há nenhuma vontade política de trazer as vacinas para a pediatria, nem no quantitativo e nem na divulgação, o que infelizmente é irresponsável", disse Kfouri.